Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo,

igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura — cara, estatura, traje e gesto — imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto vejo...

Relatório: Gatilho

 

Etapas da A/R/COGRAFIA: Gatilho

 

Segundo Veiga (2020), todos os projetos têm um gatilho, que pode ser despoletado por fatores internos, externos ou pela combinação de ambos. No caso do PMAD que se começa a idealizar, o momento do “gatilho” aconteceu pela combinação de ambos os fatores, na medida em que a ideia conceptual inicial surgiu na contemplação e reflexão de um projeto de Arte Generativa, Rituals – Venice de Aaron Penne & Boreta, projeto esse abordado na etapa da inspiração. Esta “influência” enquadra-se no que poderá ser um fator externo, como referido por Veiga (2020), uma vez que os fatores externos poderão estar “associados a pessoas ou objetos, despoletando sensações estéticas, éticas ou transcendentais”. Relativamente aos fatores internos, destaca-se o meu contexto de vida. Paralelamente à formação em Informática, tenho formação em Línguas, Literaturas e Culturas. E como não poderia deixar de ser, tenho uma apreciação de longa data pela literatura, particularmente a portuguesa do movimento Modernista - e claro - pelas obras de Fernando Pessoa.

Também o histórico da literatura pessoana, associada ao movimento futurista, as características da poesia do autor, como a eternidade dos versos e a multiplicidade de personagens e/ou heterónimos distintos, a sua escrita compulsiva, constituem um fator externo, uma vez que, no estudo efetuado relativamente a arte generativa se formou mentalmente uma associação lógica na simbiose desses dois ambientes.

Tal como registado no DDB, na página “Gatilho”, ao deixar-me absorver por vários projetos de Arte Generativa, encontrei vários, ligados a vários tipos de arte. E talvez pelo meu "percurso" me tenha chamado a atenção a expressão "Ciberpoesia". Assim no imediato, questionei (para os meus botões): "E se ele voltasse? e se ... conseguisse produzir um projeto de arte generativa que captasse as suas múltiplas personalidades, em que, utilizando poemas já existentes, fossem gerados ciberpoemas, através das palavras já deixadas pelo próprio Pessoa? E se... será que voltaria "a viver" eternamente, nos seus infinitos?"

Este texto, escrito em 09 novembro 2022, representa o preciso momento – o gatilho. Tal como refere o autor:

“O gatilho é, do ponto de vista da a/r/cografia, o evento que propulsiona o a/r/cógrafo a formular a questão de investigação (artística e/ou académica), a vontade de perseguir uma determinada linha de investigação teórica, estética ou técnica, que determinará de seguida uma hipótese ou intenção de pesquisa.” Veiga (2020)

Esta é uma etapa muito importante no processo criativo, pois é a partir dela que começam a surgir conceitos, ideias conceptuais, temas, desejos e esquissos. “O gatilho despoleta ou manifesta conexões entre a inspiração e a razão, canaliza-as e conduz o artista à criação.” Veiga (2020) – e estas conexões manifestaram-se na relação que “visualizei”, na possibilidade de transformação de uma parte da poesia pessoana em poesia generativa.

Foi a partir deste momento que esbocei os primeiros esquissos do que poderá vir a ser o meu PMAD:



Claro que são apenas relações e aceções iniciais, sujeitas a transformações e à influência de outros pontos de inspiração, e quem sabe outros gatilhos, pois estas etapas não são (nem poderiam) ser estáticas. O pensamento, as ideias, a forma de expressão, a temática, a intenção, estão em constante movimento no processo criativo, pelo que tomarão as formas necessárias para que o artefacto final reflita os vetores de desenvolvimento considerados tendo em conta a intenção definida.

 

Links do DDB: Página com entradas – Gatilho

https://ddbmsoberano.blogspot.com/p/gatilho.html

 

 

Referências

Veiga, P. A. (2020). O Museu de Tudo em Qualquer Parte: arte e cultura digital - interferir e curar. Coleção Humanitas, Centro de Investigação em Artes e Comunicação. Grácio Editor. https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/11265